sábado, 26 de fevereiro de 2011

Sete Ciganos - 44

No dia seguinte. Nide vai à casa de Márcio:

- Quero meu dinheiro de volta, Márcio! Ele nem consumou o sexo comigo e se mandou. Deve ter voltado para aquela mulher sem graça. Sua magia é fraca.

- Calma, Nide! Muita calma nessa hora. Você viu que funcionou...

- Mas não como eu queria. No mesmo dia que o homem foi morar comigo, foi embora.

- Deve ter sido aquele velho.

- Que velho?

- Um feiticeiro que Olga contratou.

- Ele é melhor do que você?

- Claro que não. Só me pegou desprevenido. Relaxe, Nide! Vá para casa que eu vou fazer outro feitiço por minha conta e hoje mesmo, Timóteo volta para você e pra ficar.

- Se isso não acontecer, Márcio, amanhã quero meu dinheiro.

- Vai acontecer. Pense positivo, querida.

Ela se vai e ele bufa de raiva.

Gilberto estaciona próximo à casa de Olga, dirige-se à habitação e é recebido por ela o os ciganos com alegria:

- Meu pai, que bom revê-lo! – Ele se joga nos braços de Shalom que o abraça e o beija com carinho.

- Como é bom tê-lo conosco! – Diz Shalom emocionado.

Depois ele se dirige a Sofia:

- Cigana! Quanta saudade!

Abraçam-se afetuosamente.

- Tudo está mudando, não é cigano? – Questiona Sofia.

- Tudo. Preciso de vocês.

- Gilberto – fala Shalom – Este é o cigano Pedro.

Gilberto estende a mão para o velho:

- Muito prazer!

Pedro sorri debochado e o puxa num abraço cheio de calor:

- Quer dizer que vosmicê é padre?

Gilberto ri desconcertado:

- Ainda.

- Com certeza. Por pouquíssimo tempo. Nada contra a quem nasceu para sê-lo, mas isso não se aplica a você, Andarilho das Estrelas.

Gilberto se emociona com as palavras e a afetuosidade do cigano.

- Essa é Olga, meu filho – prossegue Shalom – ela é nossa amiga e está nos hospedando.

- Muito prazer, Padre Gilberto. Seja bem-vindo à minha casa – ela estende a mão e ele a cumprimenta:

- Muito obrigado, Olga.

- O marido dela já foi para a farmácia, mas volta para o almoço.

- Aceita um suco, Padre?

- Sim, minha amiga, e por favor, pare de me chamar de padre. Meus dias como sacerdote parecem estar contados.

- Uma vez sacerdote, sempre sacerdote – fala Pedro – você provavelmente deixará a batina, mas nunca deixará de ser um sacerdote, todavia reconheço que é mais leve ser chamado pelo nome.

Pedro solta flatos e todos riem.

Olga serve a Gilberto suco de carambola geladinho e ele demonstra grande prazer pelo suco e por estar entre eles.

Na farmácia, Timóteo está de prontidão para qualquer investida de Nide. Ela tenta rondá-lo, mas é tratada com frieza e rejeição. Termina se sentindo mal e indo para casa.

Sofia e Gilberto estão no quintal, à mesa. A chama da vela dança, a fumaça do incenso perfuma o ambiente, uma taça com água simboliza a beleza desse elemento e uma pepita de ouro simboliza o elemento terra. No centro dos quatro elementos representados, está disposto um lindo lenço vermelho e as cartas:

- Como vieram parar aqui na casa de Olga?

- Temos passado por momentos intensos. Quando encontramos Pedro decidimos partir no dia seguinte para Nazaré, mas aí o destino armou: Olga se atirou na frente do carro de Pedro e se ele não fosse um motorista atento, teria matado a moça. Felizmente ela não teve nada de grave, e aí descobrimos que estava desesperada porque o marido a havia deixado. Pedro sentiu que havia magia pesada na história, se aprofundou nos dados e constatou a hipótese. Através da Visão, enxergou quem encomendou o feitiço e quem o fez e foi negociar com o mago que se manteve irredutível. Pedro fez um contra-feitiço e Timóteo se libertou do encantamento, mas estamos esperando a qualquer hora um contra-ataque do Bruxo Márcio.

- Nossa! Eu poderia ter escolhido um momento melhor para reencontrar vocês. Meu pai deveria ter-me dito. Vocês já têm problemas demais para ainda terem que aguentar um padre cigano indeciso.

- Você está no lugar certo, na hora certa e na circunstância apropriada.

- Qual a finalidade disso?

- Não sei, mas saberemos.

Sofia abre os trabalhos, Gilberto embaralha as cartas, corta os montantes e os junta.

- Tem alguma pergunta, cigano, ou quer que as cartas falem?

- Que elas falem.

Sofia tira a carta “A Vingança”:

- Uma grande virada você dará na vida. Isso surpreenderá a muita gente. Muita gente vai se ressentir e tentará lhe demover do seu objetivo maior, mas você deve permanecer firme no seu propósito e abandonar o confortável e o conhecido para se lançar ao desconhecido e ao que há de ser revelado.

Depois ela tira a carta “O Sol”:

- Seu caminho será iluminado. Grandes descobertas sobre si mesmo e os mistérios da espiritualidade você fará. Um lugar de elevada concentração energética o aguarda. Vejo uma pirâmide, um povo antigo, não sei o que é... É tudo difuso. Você terá de descobrir por si mesmo.

Em seguida vem a carta “A Comida”:

- A igreja jogará pesado. Vai lhe chantagear e não oferecerá nada para lhe ajudar a sobreviver, como último recurso de mantê-lo preso na estrutura. Ouça seu coração e sua verdade. “Olhai os lírios do campo” e siga sua trajetória.

Logo após, ela tira a carta “O Mago”:

- Você possui uma assistência espiritual poderosa e tem uma missão espiritualista imensa nessa encarnação. Sua vida como padre foi apenas o começo. Muito mais há de vir. A cura para um problema está a caminho e...

Ela tira “O Presente”:

- ... Será imediata.

Vem então “A Caravana”:

- Viajará muito, Andarilho das Estrelas, e em cada canto fará muitas amizades, viverá grandes paixões, ajudará pessoas, será auxiliado por elas, aprenderá e ensinará. Não tenha medo das mudanças. Elas urgem e isso será bom para você.

Sai a carta “O Sensitivo”:

- Através de um sonho você terá a confirmação sobre o lugar onde deverá ir, quando deixar a paróquia. Fique ligado!

Quando ela vai tirando outra carta, ele a interrompe:

- Basta, cigana! Já tenho o que preciso. Minha alma está quieta agora. Só me resta esperar e ler os sinais, e viver o que escolhi.

Desesperado, Márcio tenta fazer outro feitiço, mas as coisas dão errado. Ingredientes caem no chão, frascos se quebram, ele pára, respira, tenta de novo e nada flui. Louco de fúria, vai consultar o tarô e tira a carta “Os Enamorados” e interpreta que as coisas não estão dando certo porque Timóteo, movido pelo amor, escolheu Olga e contra a magia desse sentimento, tudo o mais cede. Eles conseguiram se proteger com um escudo invisível e nada os separará a não ser que eles o queiram.

Instantes depois, Márcio vai à casa de Nide e a encontra pálida e de cama:

- O que há com você, amiga? – Ele pergunta.

- Não estou bem, Márcio. Acho que deu tudo errado... – Diz com tristeza.

- Eu tentei outro feitiço, mas não deu certo. O amor deles dois é muito forte. Nada abala. Acho melhor você partir para outra.

- Estou me sentindo péssima. Pra que fui mexer com isso? Minha auto-estima está lá em baixo...

- Posso imaginar... Mas a vida continua. Eu trouxe metade do que você me pagou e estou te devolvendo. Afinal você teve o homem nas mãos, mas não soube segurar. A minha parte eu fiz.

- Você acha justo me devolver só a metade?

- Mais do que justo, querida.

- Você é quem sabe...

Ele lhe entrega o dinheiro.

- Nunca mais quero vê-lo, Márcio. Para você só tenho agora desprezo.

- Passe bem.

Ele se retira e ela chora amargamente.

Em seguida, Márcio vai à casa de Olga e bate à porta. Shalom o atende e o identifica:

- Sim.

Impressionado pela beleza do cigano e assustado com sua presença, ele pergunta:

- O cigano Pedro está?

- Está. O que você quer com ele?

- Quero falar com ele... Ou melhor – Márcio pega um papel e uma caneta na bolsa, escreve, dobra e o entrega ao homem – Dê esse bilhete a ele – encara Shalom com provocação, querendo seduzi-lo.

- Saia daqui antes que eu te mate – fala o cigano discretamente e com ira nos olhos.

Márcio vacila, sorri e provoca:

- Nossa! Pra que isso, formoso? Esse ar cruel me excita.

Shalom fecha o punho e quase o acerta, mas é detido por Pedro que segura seu braço no exato momento:

- Calma, cigano! – Diz Pedro em tom conciliatório – Esfrie seus ânimos, homem.

- Gostei muito do seu Leão de Chácara, cigano Pedro.

- Também gosto muito dele. Só que não é pro seu bico, irmão.

- Não sou seu irmão.

- Engraçado! Mas eu me considero seu. O que o traz aqui, irmão?

- Leia o bilhete e espero que não falte ao meu convite.

Pedro abre o bilhete e lê:

“Meia-noite no Entroncamento que vai dar na estrada para Laje. Vá sozinho. Márcio.”


2 comentários:

  1. Estou tensa, Aruanda! Esse Márcio é um fedelho insolente!

    ResponderExcluir
  2. Não seja tão severa no seu julgamento.Procure conhecer melhor a história de Márcio.

    ResponderExcluir