E aqui estou pendurado nessa parede branca em posição de destaque na cozinha deste lar doce lar. Tudo o que executo é um rotineiro tic-tac e faço meus ponteiros girarem no sentido horário a cada momento quando a bateria que me inseriram está carregada. Os segundos, os minutos e as horas dos dias dessa família que me reverencia estão todos sob meu poder. Coisa desagradável, não? (Risos). Sou o Senhor do Tempo e acho deveras divertido ver as pessoas medindo suas vidas num tempo linear que desde sempre, sempre foi espiralado. Gozadíssimo é contemplá-las programando seus afazeres como se o dia ainda tivesse 24 horas... Ouvi um ufólogo dizer que estas caíram para 17 e é bem por isso que muitos têm dito: “Não há mais tempo pra nada”. Bah! Claro que há. É só vocês se ajustarem ao tempo que aí está.
Aqui estou no alto, no altar, sendo reverenciado como um deus sem importância e absolutamente necessário. Porque é tão comum me consultarem, que vez em quando o fazem até sem me prestarem a devida atenção, e como a humanidade é mesmo estranha, só percebe a indispensabilidade do meu funcionamento quando estou parado. Coisa chata, não? Espécie obtusa que, na maioria das vezes, só valoriza as pernas, os olhos, o amor e o outro quando os perde.
6h30 a empregada loira e ninfo chega coçando e cheirando, e começa a preparar o desjejum. 7h00, a filha-paty me olha apressada, toda gostosinha, toda metida na roupa de malhar, toma um iogurte e vai para a academia (ui!) De lá vai pra faculdade; 7h30, a patroa, o patrão e o filho-alternativo aparecem para comer e beber tudo o que a loira ninfo produziu. Falam amenidades... São superficiais entre si. 8h15, eles saem e fica só a doida, que vai pra cama do casal e se masturba pensando em vários. 8h30, ela lava as mãos no toilette dos patrões, leva e seca a louça, arruma a cozinha e a casa; 9h00 bota a roupa na máquina; 9h15, fuma um; 9h30 inicia o preparo do almoço; 11h30, finaliza o preparo do almoço; 11h45, chegam os quatro; 12h00, almoçam e a depender do dia, contam piadas ou quebram o pau, ou se consolam, ou se destroem com pirraças, ou... Nossa! São tão imprevisíveis!
13h00, a filha-paty vai pro trabalho;13h30, a patroa (ganha mais do que o marido e é insatisfeita com a performance dele na cama) sai para se encontrar com o amante; 14h00, o corno vai para a repartição pública; 14h15, o filho-alternativo está teclando com o namorado que mora em outra cidade; 14h30, a ninfo está em plena siesta. 15h30, ela começa a fazer a janta e fica atenta ao televisor; 16h30, o jovem vai malhar – saradinho -; 17h30, o pai retorna do trabalho frustradíssimo e se joga na frente do home theater da sala, olhando as imagens, escutando os sons, fugindo de si mesmo. 18h00, a esposa retorna feliz e com o astral lá em cima – quem adivinhar o por quê, ganha uma passagem para Transilvânia – 18h30, chega a jovem exausta e sentindo a mulher mais porreta do mundo e 19h00, o saradinho todo suado tomando uma garrafa de energético. 19h30, janta-se; 20h30, a ninfo vai para a escola e na maioria das vezes, desvia o caminho para um bar, toma todas, dá mais do que chuchu na horta e curte todas; 21h00 o saradinho no computador; o patrão dormindo; a patroa lendo ou assistindo e a filha-paty estudando para concurso. 23h00, o saradinho dorme; 00h00, dorme a patroa; 01h00 dorme a concursista, 02h00,chega a loira pé-ante-pé e se joga na cama. Tudo recomeça no dia seguinte.
Quanto a mim, trabalho, trabalho, trabalho e nunca me deixam ficar parado por muito tempo. Às vezes, me entristeço com a falta de criatividade e de flexibilidade dessas pessoas que pautam suas vidas em situações confortáveis e entediantes, seguindo sua jornada roboticamente, sem saberem ao certo o que realmente poderá lhes preencher o imenso vazio que vai na alma. E cá fico mostrando um tempo irreal, que dita as normas de uma existência mentirosa, no meu tic-tac eterno, doido para que as pessoas finalmente “saibam fazer a hora” e enxerguem que não são escravas do tempo, que são eternas e que podem fazer muito mais por si mesmas a fim de serem realmente felizes.
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ResponderExcluirPassei um período recente da minha vida me sentindo, mas uma sensação forte mesmo, de estar presa no tempo. Esta é uma dentre muitas viagens que tenho feito, rsrsrs. Por não saber o que estava acontecendo, achei que estava precisando aumentar as tarefas da minha rotina para não pensar tanto nisso. Depois descobri que minha alma estava querendo justamente se libertar dele, transcendê-lo. Como está no seu texto, não deixá-lo me escravizar. O bom disso tudo é que tenho encontrado minhas respostas, mas é uma prática constante. Bjos.
ResponderExcluirAinda bem que esse relógio não fala, senão seria a maior fofoqueira do bairro!!!
ResponderExcluirAntonio, adorei a reflexão, bjs!
Massa, Lore!Quanto mais encontramos nossas próprias respostas, mais libertos ficamos de tudo a que decidimos nos prender. Imagine, Paty, se todos esses relógios que vivem em nossos pulsos, casas, etc, falassem? Seria babado, mana (risos) Que bom que você gostou. Beijo.
ResponderExcluirOlá Antonio,
ResponderExcluirAdorei o texto!!!! Parabéns!!!!!!!
Tenha um ótimo fim de semana!
Abração,
Flávio Nunes.
Valeu, meu querido Flávio. Aquele abraço.
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