quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Existir

É interessante ficar sem dinheiro. De repente a vida ganha um novo sentido e até certa leveza, porque não há compromissos, não há coisas a fazer e a gente termina criando o que há de ser feito.

Hoje foi assim: acordei e em função de uma irritação na garganta, não quis ir para a natação. Tomei café com minha companheira e resolvi dar um passeio na orla enquanto ela acessava a internet.

Gosto de andar devagar. Respeito os limites do meu pé esquerdo, que não suporta grandes esforços; como também meu abençoado e saliente abdome, com quem me relaciono muito bem e meu ritmo natural que ama a calma e o conforto. Andei prazerosamente até a orla e sentei-me no cais. O mar estava lindo e azul; pessoas lindas caminhavam ou corriam; o céu estava tão azul que me deixou feliz.

Comecei a olhar o mar, as vagas, o azul, a areia, os pescadores e bem à minha frente, vi um peixe que fora trazido pelas ondas e se debatia na areia, desesperado para voltar para o meio aquoso e respirar livremente.

Primeiramente, passivo, fiquei torcendo que uma onda mais forte viesse e levasse o bichinho de volta para o habitat dele. Após alguns instantes uma onda veio e o arrastou, mas não foi o bastante. Meu amiguinho continuava aflito, lutando pela vida. Então constatei que se me restringisse a torcer e não fizesse nada de mais concreto para ajudar aquela criatura, as ondas não o fariam e ela sucumbiria.

Desci do cais para a areia, tirei as sandálias, pisei na terra e senti o calor do sol nela. Caminhei até o peixe e o vi respirando. Eu o peguei e ele se debateu. Deve ter sentido medo por não conhecer minhas intenções. Senti seu corpo frio em minha mão, afaguei-o e disse Vai viver, meu amigo! Volte de onde veio. Joguei o ser aquático a certa distância e senti a alegria de te-lo ajudado a voltar para o mar.

Satisfeito, tirei minha camisa e senti a brisa e o sol em meu peito, ombros e costas. Aquele peixe poderá ser pescado qualquer hora dessas, não importa, mas o que eu quis fazer, eu fiz, que foi tirar-lhe daquela angústia. Talvez eu só tenha saído para fazer isso... Talvez haja um sentido maior nessa experiência. Decidi a partir daí não comer mais carne.

Um bem-estar tão grande me tomou que pensei: Estamos todos de passagem. Devemos pelo menos deixar uma marca positiva do tempo em que aqui ficamos. Isso constará na história comum de toda humanidade e cada ação construtiva se propagará em ondas que poderão neutralizar tanta destruição e desamor que vemos por aí.

Fiquei um tempo ouvindo as ondas, de olhos fechados. Depois andei e encontrei uma bela concha que decidi colocar em meu altar. Mais adiante, achei uma pena. Segundo a Sabedoria Xamânica, encontrar uma pena é uma confirmação de que estamos trilhando o caminho certo.

Sentei-me novamente no cais. Onde estaria meu amigo peixe? Deve ter sido um alívio sair do sufoco e voltar a respirar. Voltar pra casa... Agradeci ao Universo por tudo o que tenho a dádiva de experimentar. Por todos os mestres que tive e tenho na vida, por todos os atritos que me fazem crescer, por todas as lições e oportunidades de ser útil, por simplesmente Existir.

21/07/2006

Um comentário:

  1. Legal vc publicar seus textos antigos.

    E a pena, hein... já achei algumas tbm.

    bjo, continua postando!

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