Dois dias depois Afonso recebe um telefonema:
- Sim, é ele... Claro que conheço. De onde fala? Clínica?!... Que houve com ele? Claro. Estou indo para aí agora.
Sem pestanejar, entra no carro e dá a partida...
Chega à clinica e vai à recepção:
- Bom dia, eu quero ver o paciente Heitor Coelho. Ele se internou ontem à noite.
- Deixe-me ver – diz a recepcionista.
Após alguns procedimentos burocráticos, Afonso é encaminhado para o quarto de Heitor e o encontra acamado, tomando soro e depauperado:
- O que foi que aconteceu, rapaz? – Entra aflito.
- Mal de amor – Heitor ri.
Afonso higieniza as mãos com álcool gel e se coloca ao lado do enfermo, pegando-lhe a mão que está livre.
- O médico disse que foi emocional. Tive febre altíssima e entrei em convulsão.
- Mas Heitor! Está vendo só para que você foi se separar de mim?
Ambos sorriem:
- Só você para me fazer rir.
- E já sabe quando vai ter alta?
- Hoje. Acho que antes do meio-dia.
- Vai ficar lá em casa até se recuperar.
- Afonso...
- Heitor, quem vai cuidar de você se for para o flat? Tá doido,é? Vai lá pra casa. Cuido de você e depois que estiver bom, prometo que não vou lhe algemar na cabeceira da cama. Amo você. Independente de qualquer coisa.
- Também te amo.
Mais tarde, ambos estão de volta ao apartamento de Afonso. Heitor é instalado no quarto de hospedes e se sente deveras estranho com a nova situação. Há poucos dias ele estava nesse lar como parceiro do proprietário, quase dono. Agora retorna como hospede e convalescente. Vida louca. Afonso entra no quarto com um copo de suco de laranja e um sanduiche de queijo:
- Coma tudo, beba tudo e pode deixar aí que quando eu voltar, arrumo. Não pense em se esforçar. Você está fraco e precisa de repouso.
- Está bem, doutor.
- Tchau!
- Vá em paz.
À noite, ambos estão jantando na sala:
- Como foi seu dia, Afonso?
- O de sempre. E o seu?
- Reflexivo.
- Sua cara está melhor.
- Muito obrigado.
- Pare com isso.
- Raramente outra pessoa faria o que você está fazendo por mim.
- Heitor, temos uma história. Não me recuperei ainda da separação, mas raciocine comigo: não houve jogo sujo. Ambos erramos e a coisa deu no que deu. Há um amor entre nós que transcende a relação sexual que tínhamos e estou certo de que você faria o mesmo por mim.
- Faria sim. Sente saudade de nós?
- Sinto.
- Também sinto, mas sei que se for o caso de retomar, não há de ser agora.
- Concordo. Vá passear um pouco. Divirta-se, viva aventuras e eu farei o mesmo. Se lá na frente a gente concluir que é impossível vivermos um sem o outro, a gente casa de novo.
- Agora, sim, estamos fazendo a coisa da forma certa.
- Agora, sim, o nosso caso chega ao fim.
Dão-se as mãos e beijam-se docemente.
No dia seguinte, Heitor retorna ao flat, recuperado, e Afonso vai para o trabalho. A vida segue seu rumo ininterrupto, indiferente às idas e vindas do coração. A única missão realmente eficaz do ser humano é encontrar pessoas para amar e ser amado. Esse amor ganha várias nuances e surge envolto em tragédias, dramas e comedias. Alguns até viram caso de policia ou de terror. Fazer o quê? Tudo não passa de mera manifestação gradativa dessa coisa que é um não sei como que dá num não sei onde e começa, e termina num não sei quando.
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