domingo, 12 de dezembro de 2010

Sete Ciganos - 15



Na casa de Orlando, os amigos se reúnem e riem à custa da freira:
- Foi ótimo quando você a mandou se olhar no espelho! – Fala Margarida para Sofia.
- Desde que você esteve no hospital para ajudar meu Jove que ela lhe persegue, Sofia, foi bem merecido! – Vibra Eulália
- Aquela mulher é louca! – Vocifera Sofia bebendo água.
- Olha a sopa! – Surge Orlando com uma tigela de sopa de verdura.
- Oba! – Todos comemoram.
- Mas a queda dela foi linda, não foi? – Ironiza Joventino e todos gargalham.
- Gostei muito da postura do padre – comenta Orlando.
- Penso que depois de hoje, Vera não vai mais lhe importunar, cigana – diz Eulália.
- Espero – desabafa Sofia. – Fiz nada contra ela – a cigana pensa no pároco.
Rapidamente o boato se espalha pela cidade e aonde chega, ganha novas cores: a freira tirou sangue da cigana; a cigana partiu um espelho na cabeça da freira; a cigana derrubou a freira; o vigário excomungou a freira; a cigana vai entrar na justiça, etc...
No dia seguinte, o sacerdote visita Sofia, em casa de Margarida:
- Bom dia, Dona Sofia! – Ele a saúda do lado de fora, na janela, quando ela está varrendo a sala.
- Bom dia, padre! – Ela se surpreende com a chegada e vai atendê-lo, abrindo a porta.
- Cadê Margarida?
- Foi trabalhar. Entre.
- Obrigado – o sacerdote penetra na casa.
- Sente-se.
Ele se senta desconcertado:
- Vim aqui pedir-lhe desculpas em nome da paróquia, em meu nome e em nome da irmã Vera. Ela surtou completamente ontem e o médico atribuiu aquela reação a estresse. Ela tem estado assoberbada de atividades e já estamos pensando em lhe proporcionar mais horas vagas, para que ela se distraia e relaxe.
- Pode ficar tranquilo – diz ela se sentando. – Eu compreendi que ela não estava no seu normal e sei que o senhor está aflito, cogitando a possibilidade de eu mover algum processo contra ela. Pois fique despreocupado e vamos deixar que o tempo apague o escândalo.
- Eu lhe sou muito grato. Qualquer um no seu lugar não agiria com tanta nobreza.
- Poupe sua lábia, meu amigo. Eu também sei “quebrar o pau”, mas só faço isso quando meu adversário se iguala a mim em poder ou me supera.
- A senhora é uma mulher admirável.
- E o senhor, um homem sensato e um grande líder. Vejo que tem idéias libertárias e discorda de muitas coisas da igreja.
- De fato, mas sei que sozinho não posso declarar guerra ao Vaticano.
- Uma faísca num monte de feno pode causar grande incêndio. Como se chama, padre?
- Gilberto.
- Padre Gilberto, olhando para o senhor, vejo que tem traços ciganos.
Ele sorri e diz:
- Meu pai é cigano.
- Conte-me sua história! – Pede com interesse – Aceita um pouco de vinho?
- É claro!
Ela vai à cozinha, serve duas taças, entrega a do vigário, brindam e bebem:
- Minha mãe é de Santa Inês e se chamava Laura. Na juventude já estava de casamento marcado com um filho de fazendeiro de lá. Foi quando chegou um bando “calón” e montou acampamento perto da casa do meu avô.
“Minha avó fez amizade com as ciganas e disponibilizava água e outras coisas que elas necessitavam. Ela era uma mulher aberta e livre, e sempre gostou muito de ciganos.”
“Certo dia, um jovem, filho de uma das ciganas, foi buscar água em casa de meus avós e foi minha mãe quem o atendeu. Ela me disse encantada, quando me contou essa história que foi paixão à primeira vista. Seus olhos e os olhos do cigano brilharam e o fogo começou a consumir seus corações.”
“Às escondidas, começaram a se encontrar e ao belo cigano, minha mãe se entregou.”
“Louca de paixão, ela disse ao meu avô que não queria mais se casar com o outro rapaz. Meu avô não admitiu aquilo e disse que já tinha dado a palavra aos pais do fedelho e que o trato estava feito e ela era obrigada a se casar.”
“Desesperada, contou para minha avó o que acontecera e teve seu apoio no sentido de fugir dali com o cigano, casar-se com ele e fazer parte do bando. Além dela, meus avós tinham mais três filhas e embora ela fosse a preferida da minha avó, e deixá-la partir tivesse lhe causado muita dor, foi o que aconteceu.”
“Durante um ano, minha mãe se correspondeu com minha avó com o pseudônimo de ‘Clarice’ para não criar suspeitas, já que meu avô a havia deserdado. Em suas cartas, ela dizia viver muito bem com o amado, mas estava com dificuldades para se adaptar à vida no bando.”
“Ela insistia com meu pai para deixar a vida nômade e tornarem-se sedentários. Alguns ciganos já estavam fazendo isso, mas meu pai não sentia essa vontade em seu coração.”
“Quando completei três meses de nascido, minha mãe deixou meu pai e o bando e voltou para a casa de meus avós. Meu avô a recebeu, mas sem perdoá-la.”
“Um primo segundo de minha mãe, que sempre fora apaixonado por ela e morava na capital, e estava terminando o curso de medicina, passava as férias na casa do meu avô. Vendo o apuro que eu e ela passávamos, propôs-lhe casamento e me adotar como filho.”
“Assim fomos para Salvador. Como minha mãe nunca se casara ‘no papel’ com meu pai biológico, não teve problema para se casar com meu novo pai. Com a oficialização da união, meu avô a perdoou e apaixonou-se por mim.”
“Quando eu tinha um ano, fomos morar no Rio de Janeiro e meus pais tiveram outros filhos. O tempo passou e embora eu amasse muito meu pai adotivo e vice-versa, sempre quis conhecer meu pai cigano e minha mãe me disse que eu parecia muito com ele.”
“Ao completar 12 anos, porém, vivi uma grande desgraça: meus pais morreram num desastre de avião. Meus irmãos foram viver com os pais do meu pai, em Salvador, e eu escolhi morar com meus avós em Santa Inês.”
“Com minha avó e minhas tias, eu descobri mais coisas fantásticas sobre minha mãe, a fuga, o bando, e minha esperança de encontrá-lo aumentou.”
“Cresci com o espírito livre como o da minha avó, o da minha mãe e o do meu pai, mas também com a disciplina do meu avô e como sempre fui muito rigoroso, optei pelo sacerdócio, o que deu muita alegria a meus avós e à família.”
“E como sacerdote, estou até hoje. Alimentando meus sonhos, minha ilusões. Lutando por uma sociedade mais justa e por uma religião sem fronteiras, mas é claro que faço isso em surdina.”
- Padre Gilberto, você é cigano.
- E quem não é?
- E o nome do seu pai?
- Carín.
- Nunca ouvi falar desse cigano. Será que ainda vive?
- Provavelmente vive e pelos meus cálculos, é jovem. Deve estar entre os 49 ou 50 anos.
- Abro meu compromisso agora contigo, cigano, e empenho nele minha vida. Em minhas andanças vou procurar pelo paradeiro do teu pai e se o encontrar, vou trazê-lo até você.
- Jura, Mulher?
- Juro.
Sofia pega um alfinete que estava na roupa, fura o próprio dedo e depois Gilberto toma o alfinete, fazendo o mesmo consigo e ambos selam o pacto com sangue.

2 comentários:

  1. Vai rolar romance entre a cigana e o padreco... Menino, você também é anti-clerical!

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  2. UIhh!!!! Que romantismo no ar, ou melhor, na tenda....

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