segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sete Ciganos - 39


- Então somos anjos?

- Conta a lenda.

- Sou muito humana para ser um anjo.

- Pois acho que você é muito anjo para ser humana.

Ambos se olham com paixão.

Após o almoço, saem de carro, pois Shalom decide mostrar-lhe a cidade. Eles passam pelo Ginásio de Esportes, pelo Centro de Cultura, pela Prefeitura, pela Biblioteca Municipal Denise Tavares, pelo Shopping Itaguari, pegam a estrada e vão até a Rodoviária.

Voltam em seguida para o centro da cidade e vão até a Igreja de São Benedito e estacionam em frente à Galeria Moura.

- Ali naquela lanchonete – ele aponta para um lugar chamado Arca de Noé – podemos tomar o melhor caldo de cana que já provei.

- Vamos.

Os dois se vão de mãos dadas atraindo olhares dos taxistas, dos kombeiros, dos motoristas de “vãs” e de outras pessoas que estão ali naquele momento.

Sentam-se a uma mesa da lanchonete e ele pede dois caldos de cana grandes:

- Por que a cidade tem esse nome, Shalom?

- Entre os séculos XVI e XVII a área do Rio Jaguaripe, que nasce no município de Castro Alves, passou a ser a menina dos olhos dos colonizadores. Tudo isso aqui se constituía de mata verde, madeira de lei e muitos cursos d’ água que atraiam plantadores de cana-de-açúcar e de mandioca. O primeiro povoado apareceu em torno de um oratório consagrado a Santo Antônio e daí veio o nome do município.

O despachante serve aos ciganos copos enormes da bebida. Sofia olha para o marido surpresa:

- É enorme! Quem disse que vou conseguir tomar tudo isso?

- É tão gostoso que você nem vai se tocar da quantidade. Experimente...

Ela o faz e saboreia com prazer:

- Delicioso!

- Não disse?

- Então estou a tomar o caldo da cana de Santo Antônio de Jesus?

- Sim.

- Muito bom, cigano! Além disso, que mais se produz aqui?

- Muitas outras coisas, mas o amendoim e o limão têm destaque. Na pecuária, sobressaem os bovinos e muares. O setor industrial está crescendo e o comércio é, na verdade, o que move isso aqui.

- Achei fantástico aquele sobrado que você me mostrou na Praça Rio Branco, aquele que já foi residência das freiras e hoje é um hotel.

- Ah! O Sobrado Alves e Almeida!

- Ele mesmo.

- Quando passarmos por Nazaré, Santo Amaro e Cachoeira, você verá mais sobrados e arquitetura antiga do que por aqui. A cidade cresceu e se modernizou demais, como Feira de Santana. Ambas têm sua história, mas o progresso do presente muitas vezes apaga a beleza do passado.

- O progresso é uma faca de dois gumes. Às vezes tenho saudade da vida em bando, das barracas...

- Muitas coisas mudaram.

- Gostaria de encontrar mais ciganos por aqui.

No exato momento, uma cigana velha com uma cigana menina chegam à lanchonete. Os olhos de Sofia e Shalom brilham e quando a senhora os vê, sorri, pega na mão da menina e se dirige aos dois:

- Ciganos?

- Sim, vovó – diz Shalom levantando-se e saudando a senhora – Sente conosco e tome um caldo de cana.

- Como não?! – A velha tem um sotaque bem carregado.

Shalom cumprimenta a criança, enquanto Sofia abraça e beija carinhosamente a outra. Depois ela fala com a criança, todos se sentam e o cigano pede mais dois caldos e manda a menina escolher algo para ela e a senhora comerem, mas elas agradecem e recusam a oferta. O que é considerado atípico pelo casal, mas preferem relevar.

- Como se chama, meu filho?

- Shalom Carín.

- Família Carín? Há muito tempo ouvi falar do teu povo... Estão sozinhos?

- Sim – ele responde.

- São desgarrados?

- Somos – responde Sofia – mas estamos à procura de uns irmãos.

- Há muitos ciganos desgarrados hoje em dia – lastima a velha. – Meu nome é Indiara e essa é minha neta Indira. E o seu, moça bonita?

- Sofia.

Indiara olha bem nos seus olhos:

- Não nos conhecemos, filha?

- Já andei por tantos lugares... Quem sabe não tenhamos nos visto... Espera aí! Dona Indiara, a senhora tem uma irmã chamada Zíngara?

- Não pode ser! – Exclama a cigana emocionada – Você é Sofia que andou muito com minha irmã e aprontava que era uma beleza!

- Isso mesmo!!! Cadê Zíngara, Indiara?

- Bel-Karrano e Santa Sara pegaram ela pelas mãos e levaram-na lá pra cima.

- Quando isso aconteceu? – Pergunta Sofia com certa tristeza.

- Há alguns anos... Mas é assim mesmo. Ela cumpriu bem sua missão e foi enterrada e homenageada com muita pompa. Quando soubemos que estava doente, avisamos a todos os amigos e parentes e ela não ficou um segundo sozinha até o seu último suspiro. Quando ela morreu, me retirei para a beira de um rio e fiz o Ritual de Passagem.

- Não o conheço – declara o cigano. – A senhora pode nos contar ou é sigilo?

- Muita coisa que era segredo antigamente hoje em dia não tem mais razão de ser. Fiz uma fogueira e coloquei nela tomilho, sálvia, alecrim e eucalipto. Falei o nome de minha irmã nove vezes, dei sete voltas em torno da fogueira, contra o relógio, e a alma dela surgiu para mim, me agradeceu e foi embora. Depois do enterro realizamos a Pomana, um rito em homenagem a quem falece. Tudo que ela gostava, desde a salada de tomate ao pernil, estava à mesa que ficou linda, como ela sempre gostou. O lugar dela ficou lá com o prato cheio de comida e a taça com vinho. Comemos, bebemos, relembramos seus feitos e como sabíamos que ela continuaria como nossa guia, nem parecia que tinha morrido.

A velha se emociona.

- Ela está viva – fala Sofia, afagando a mão enrugada da feiticeira e se emocionando também.

- Onde arranjou esse cigano bonito, mulher?

- Em Amargosa.

- Pertinho daqui. Vocês estão procurando por quem?

- Um cigano chamado Pedro – responde Shalom. – Disseram-nos que o encontraríamos aqui.

- Por que procuram este cigano?

- Precisamos encontrá-lo e nos reunir com mais quatro – continua Shalom.

Indiara arregala os olhos:

- Vocês são dois dos sete?!

- Que sete?! – Shalom pergunta confuso.

- Dos Sete Ciganos que vieram das Estrelas.

- Isso é lenda...

- Não, meu filho. Isso é real.

Sofia e Shalom narram para Indiara suas histórias. Inclusive os fatos ocorridos em Brejões e Amargosa.

- Que honra poder conhecê-los! Sei onde podem encontrar o velho Pedro. Eu posso levá-los até ele.

- Que bom, Dona Indiara! Foi Bel-Karrano que mandou a senhora para nós e aconteceu exatamente quando Sofia verbalizou o desejo de encontrar com outros ciganos.

- Por isso que sempre recomendo a ciganos e gajões: cuidado com o que desejam. Pensamento é força. Mas vamos, antes que o sol se ponha.

Sofia fica curiosa com a última colocação da cigana.

Shalom paga o que foi consumido e os quatro entram no carro e se vão.

2 comentários:

  1. Sua apresentação sucinta da cidade em que eles chegam me dá uma vontade danada de conhecer cada uma. "Andar por onde os ciganos andaram". Interessantes, Indira e Indiara!

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  2. Aproveite e faça esse tour... São Cidades Sagradas.

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