E depois de um tempo sumida, a amiga morte volta a fazer seu trottoir em minha vida. Dessa vez sua
visita me levou Bárbara, minha amada gatinha.
Bárbara estava há cinco anos
conosco. No tempo em que vivemos em Areias, ela nos chegou pequena e fofinha.
Soubemos que sua dona a havia rejeitado porque emprenhara de um gato vadio. Nós a acolhemos
prontamente. Vermifuguei-a, vacinei-a, despejei as pulgas e ela quis ser nossa. Tempos depois, nossa filha pariu
mais três que foram adotados meses mais tarde por uma amiga.
Bárbara ficou conosco. Sempre
dócil, sempre quieta e quase sempre depressiva e medrosa. Quiçá pelas
violências sofridas na rua e na casa em que vivia antes ser acolhida por nós. Nosso amor, com o tempo, foi
atenuando os efeitos que a dureza causou em nossa menina.
Ela possuía uma mania fantástica
de deitar sobre meu respeitoso abdome ou o da minha companheira Maci e ficar
por horas ou a olhar para nós com aqueles olhos silenciosos e profundos, ou a
dormir o sono dos que confiam e se entregam.
Há dois meses, porém, nossa filha
adoeceu. Parou de comer, parou de beber água, começou a ficar esquiva e quando
percebemos, estava com icterícia e anorexia. Como já havia lidado com anorexia
felina antes, comecei a tratá-la intensivamente com a ração adequada: eu pegava
porções mínimas da ração com meu dedo indicador e metia na boca da enferma
goela adentro, forçando mesmo, numa tentativa desesperada de mantê-la
encarnada. Um dos ingredientes básicos do Amor é o apego e ele é saudável
quando não sufoca. Também lhe dava água em colherinhas a fim de hidratá-la.
Como a veterinária dos nossos filhos estava viajando, Levamo-la a outra que
prescreveu algumas vitaminas, um medicamento para ajudar na hidratação e vários
para estimular a atividade hepática.
Bárbara começou a tentar fugir
para o mato, usando a pouca energia que ainda tinha, dando indícios de que
queria morrer.
Havia momentos em que ela
respondia bem ao tratamento e nos enchia de esperança; outros, em que se prostrava
de tal forma que a tristeza tomava conta de nós. A veterinária dela, Dr.ª
Suzana, mulher que amamos e admiramos, regressou e atendeu Bárbara. Disse-nos
que o quadro era grave e nos apresentou didaticamente algumas possibilidades:
hepatite felina ou câncer, ou cirrose e outras mais remotas. Uma nova fase da
profilaxia tem inicio: suspendemos alguns dos procedimentos recomendados pela
primeira, mantivemos a ração especial e a água e adicionamos a aplicação de
soro fisiológico diariamente com uma droga chamada Ornitina e outra, misturada
com a ração conhecida como Carnitina. Se dentro de dez dias Bárbara não
apresentasse melhora, nós teríamos que submetê-la a uma ultrassonografia e a
depender do resultado, se desse o câncer ou a cirrose, melhor seria partirmos
para a eutanásia.
Nos primeiros dias dessa nova
fase, houve melhora; nos demais, uma piora assombrosa. Ela passou a viver
trôpega; mal se equilibrava entre as patinhas e sempre estava envolta em urina.
Por vezes, tentou fugir para o mato com intenções suicidas.
Chega um instante em que o
sofrimento do ser amado é tão grande que a morte passa a ser algo imensamente
desejado. E ainda que estivesse nos doendo tanto admitir que o melhor para
nossa filha seria o desencarne, começamos a tomar as providências para que ele
acontecesse.
04 de outubro de 2012, Um dia
antes da ultrassonografia, contudo, os sinais vitais dela reduziram-se
completamente: o olhar ficou vidrado, respiração fraca, prostração total,
magreza absurda e nós, impotentes diante da vida e da sua lei implacável de
transitoriedade e final de ciclo. Conversei com minha gatinha e lhe disse que
podia ir embora, que abandonasse aquele corpo doente e se libertasse, que não
se prendesse mais aqui, pois seu tempo estava se findando. Era noite...
No dia seguinte, às cinco da
manhã, fui vê-la, e com tristeza e alivio constatei que Bárbara estava liberta
daquele corpo doente. Ela havia partido.
Enquanto o sol nascia, sepultei
minha Bárbara e agradeci a Pablo, outro filho, outro gato, que durante o ritual
fúnebre até quis urinar na cova, fazendo festa e me provando de que a vida
continuaria e que um dia tanto ele como eu também abandonaremos nossos corpos
gastos e nos libertaremos dessa vida... Que passa.
Barra do Pojuca, Camaçari, 06 de
outubro de 2012.
Seu Aruanda,
ResponderExcluirQue venham outros gatos (mesmo que não sejam substitutos dessa) para que seu sorriso nunca se apague!
bjsMeus
Catita
Catita, amo-te! Beijão.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiramei suas reflexões,o blog,enfim amei tudo!...tanto que agora sou uma de suas seguidoras! parabéns.
ResponderExcluirA vida é assim né, com perdas, choros, sorrisos, enfim, que você nunca apague seu sorriso do rosto! Adorei o blog!
ResponderExcluir*Obrigada pela visita*
Beijinhos&Brigadeiros,
LihSantos
Valeu, minha amiga Lih. Também adorei seus poemas. Vou te visitar mais vezes. Beijão.
ExcluirAntonio dos gatos
ResponderExcluirNunca vi gata suicida, nem anoréxica. Essa mania de magreza tá se alastrando, hein... rsrs
Tadinha de Bárbara, imagino a angústia, o dilema interno pelo qual passou. Os gatos são mto inteligentes, ela deve ter tido seus motivos pra querer partir. E Pablo, que atitude!!!
Espero que a Dona Morte se contente e vaze, viu... D. Aída tá internada.
bj