terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sete Ciganos - 9


Após todas as providências tomadas, Eulália e a cigana vão para a casa daquela e são recebidas com emoção e curiosidade por Joventino. O rapaz que lhe fazia companhia se despede, retira-se e os três se sentam na sala:

- O que vocês duas estão aprontando?

- Nada, Jove. Coisa de mulher – responde Eulália.

- Sofia, eu estou curado e lhe agradeço muito pelo talismã.

- Estou vendo, Gajão. Que Santa Sara te livre das horas más e não tire o talismã por nada.

- É claro que não vou tirar. Há muito tempo que espero por ele.

- Sei que o senhor tem algo para me contar.

- A fruta só dá no tempo, cigana.

- Eu sei... Orlando vem almoçar em casa, Jove? – Pergunta-lhe a esposa.

- Não. Vai almoçar na feira mesmo.

- Vou esquentar a comida. Nossa amiga vai comer conosco hoje.

- Que surpresa boa!

- Vou ajudá-la, Dona Eulália – Sofia se oferece.

- Não, minha filha. Faça companhia a esse velho que vocês têm muito que conversar.

Eulália vai para a cozinha.

- De onde vem, cigana?

- Pergunta difícil de responder, Seu Jove...

- Então vamos à outra: o que faz aqui?

- Procuro mais seis ciganos.

Os olhos do homem se arregalam e brilham:

- Conte-me sua história.

- Nasci num bando “calón” há 35 anos e fui muito amada por meus pais e vice-versa, mas os perdi cedo. Mau pai morreu numa briga quando eu tinha sete anos; minha mãe morreu de chagas quando eu tinha nove, e aí fui criada por meus avós maternos. Minha avó era uma feiticeira e me ensinou a deitar as cartas e alguns segredos da magia cigana. Desde pequena que tenho um sonho que se repete.

- Qual?

- Quando eu tinha sete anos, sonhei que Sete Raios de luz saíam de uma constelação e vinham para cá. Eles desciam num acampamento cigano...

- Conheço essa história.

- Como conhece?!

- Conte-me o resto e depois lhe contarei o que sei. Penso que nosso encontro faz parte de um jogo armado por Deus. Tenho informações que podem lhe interessar.

- O almoço está servido, minha gente – Chega Eulália animada.

Os três vão para a mesa, sentam-se e começam a se servir da deliciosa feijoada de Eulália.

- Continue, Sofia. Fale do seu sonho – pede Joventino.

- Certo. A partir dos 14 anos, comecei a ver no sonho que cada raio correspondia a um cigano. Eu via um casal bem mais maduro que eu, via dois ciganos um pouco mais velhos do que eu e com idades aproximadas entre si, e via uma ciganinha e um ser coberto de luz.

“Antes de minha avó morrer, quando eu tinha 15 anos, ela me contou uma história bonita de Sete Irmãos Espirituais que vieram das Estrelas para ajudar na evolução do planeta e me disse que assim que ela fizesse ‘A Grande Viagem’, eu deveria sair pelo mundo e encontrá-los, porque eu era um deles.”

- E o que você fez?

- Obedeci e pelas minhas andanças, fui conhecendo gente, adquirindo mais conhecimentos e aprendendo a me virar. Dos 15 aos 21 anos, vivi num terreiro de Candomblé e recebi um treinamento que me habilitou a lidar com o mundo físico e o espiritual. O sonho continuou. A partir dos meus 28 anos, quando ganhei o mundo, o ser de luz que sempre aparecia antes já era um bebê, a ciganinha já era uma linda moça e os outros, mais velhos.

- E como é esse sonho hoje? – Pergunta Joventino.

- No sonho, vejo os Sete Ciganos reunidos numa tenda. O menino deve estar com sete anos e tem uma energia muito especial.

- Agora é minha vez, cigana – fala Joventino. – Há muito tempo atrás, esteve aqui em Brejões um bando de ciganos. Havia uma cigana chamada Zenaide. Ela foi atropelada na feira e eu lhe socorri. Tanto ela quanto os outros do bando ficaram muito gratos a mim e nos tornamos amigos. Eles permaneceram aqui por alguns meses e sempre me convidavam para ir ao acampamento quando tinha uma festa, um churrasco e outras coisas.

- Certo dia – continua o velho – Zenaide quis ler minha mão. Previu muitas coisas da minha vida que já aconteceram e outras que ainda estão por vir e uma delas está se concretizando agora.

- Como assim? – Pergunta Sofia.

- Ela me disse que, no futuro, uma cigana me beneficiaria. Essa cigana viria de muito longe, das estrelas, não teria bando físico algum quando me encontrasse, mas estaria em busca de seus Irmãos espalhados por aí. Ela me deu uma medalha para lhe entregar e a certeza que eu teria de você ser a pessoa indicada seria o fato de você confeccionar um talismã para mim e me entregar no momento em que eu precisasse.

Sofia e Eulália sorriem.

- Um momento. Vou buscar o que lhe pertence.

Joventino se levanta e vai ao quarto. Chegando lá, abre o guarda-roupa e dele retira um pequeno baú, de onde pega uma caixinha. Fecha o baú, guarda-o no mesmo lugar; fecha o guarda-roupa e retorna para a sala.

- Tome, Sofia. É sua.

Ele a abraça e beija-a paternalmente.

Emocionada, ela abre a caixinha e vê na medalha o Cruzeiro do Sul.

- A Fonte!

- Como?! – Pergunta Eulália.

- Essa é minha Fonte! É minha origem. Minha avó um dia me disse que todos temos a quantidade própria de quantas voltas daremos em torno do sol e quando nossos corpos não mais poderem acompanhar a dança do vento, terá chegado o momento da nossa Grande Viagem de volta à Fonte. Antes, porém, de voltarmos, devemos valorizar o fato de estarmos de passagem e fazer dessa fase, o melhor que pudermos. A missão de cada um de nós é evoluir e ajudar os demais, que queiram também isso, a conseguirem-no.

- Como é estar de passagem, cigana? – Pergunta-lhe Eulália.

- É amar a tudo e todos incondicionalmente, mas não me apegar de forma excessiva a nada e a ninguém. Nós humanos vivemos uma eterna ilusão de que somos proprietários de seres e de coisas: minha casa, meu carro, meu terreno, minhas roupas, meu cônjuge, meus amigos... Somos donos de nada além de nossa alma e nossa história.

- É verdade – concorda Joventino.

- Eu sou muito grata ao destino por ter entrado na vida de vocês e ter recebido confirmações tão poderosas sobre mim. Só não sei onde encontrar meus companheiros de jornada.

- Zenaide me entregou também um papel que está dentro da caixinha. Tem uma lista com sete cidades aí. Abra e veja.

Ela encontra o papel amarelecido pelo tempo e lê:

“Brejões

Amargosa

Santo Antonio de Jesus

Nazaré

Santo Amaro da Purificação

Cachoeira

Feira de Santana”

- Bem – conclui Sofia – se estou aqui em Brejões agora, minha próxima parada será Amargosa... Foi Zenaide quem escreveu essa relação?

- Foi – responde o velho.

- Letra bonita!

- É. Zenaide era toda bonita.

- Olhe seus modos, marido – brinca Eulália.

5 comentários:

  1. Muito lindo!Perceber-se em um processo é algo que cada vez mais sinto o quanto é importante e afasta vários sentimentos prejudiciais, como a ansiedade, o medo execessivo da morte e etc, mas é um exercício diário. Bjos.

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  2. Com certeza, minha amiga. A prática diária do meu ofício (Escrever-Criar) é o que me mantém vivo. Beijo.

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  3. Sinto-me profundamente encantada e emocionada. Algo estranho se processou em mim enquanto lia esse capítulo... Ainda está acontecendo.

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  4. Que reencontro abençoado ... assim fazem os espiritos de luz para que se cumpra a lei da vida....

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