domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sete Ciganos - 28


De volta a Amargosa, Shalom e Sofia dormem juntos no hotel onde ela está hospedada. A paixão os tocou sem que percebessem e nada mais tinham a fazer senão consumar o que foi sacramentado, por um sacerdote, que ainda por cima, é cigano.

No dia seguinte, em clima de lua-de-mel, Shalom decide mostrar a cidade a Sofia.

Mostra-lhe a Prefeitura Municipal, o esplendoroso Jardim, a sede da Lira Carlos Gomes, a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, o Hospital, a Estação Rodoviária, a antiga Ferroviária, a Biblioteca Pública e o Estádio Municipal; passa por muitas outras igrejas, praças, ruas e escolas; leva-a às margens do rio Jiquiriçá e à Cachoeira dos Prazeres e por fim, leva-a à Serra da Jibóia, de onde se tem um panorama belíssimo da região em sua totalidade.

Extasiada, Sofia diz:

- Isso aqui é muito lindo!

Shalom a abraça:

- Te dou de presente. Você quer?

- Quero isso e muito mais.

Os ciganos se beijam e no calor da paixão fazem amor ali mesmo, em meio a toda aquela imensidão e infinitude.

Uma semana depois, do hotel, Sofia telefona para Tânia e é com alegria que constata que ela já chegou da capital:

- Tânia, que bom já está de volta!

- Ô minha amiga, que bom ouvir sua voz! Pensei tanto em você;

- E eu em você. Como vai Romeu?

- Está bem. Está dormindo e medicado, graças a Deus.

- Foi tudo bem por lá.

- Tudo, embora tenhamos nos cansado com os exames, consultas e o próprio ritmo da cidade grande. A gente que vive aqui, nessa tranquilidade, estranha quando chega no meio daquela loucura, mas foi tudo bem.

- O médico diagnosticou o problema dele?

- Sim. Romeu tem Esquizofrenia Paranóide. Nada tão grave que não possamos controlar com medicamentos, amor e arte.

- Que bom, minha amiga! Podemos ir aí hoje, à noite?

- Podemos?

- Ah! Esqueci de lhe contar. Eu e Shalom estamos juntos.

- Que ótimo! Você não perde tempo, heim, cigana?

- Claro que não. Meu tempo é precioso. Preciso gozá-lo antes que ele escorregue pelos meus dedos.

- Você está certa. Venham hoje à noite. Será um prazer recebê-los.

- Obrigada, Tânia. À noite a gente se encontra.

Ela vira para Shalom que está lendo e pergunta:

- Quer ir à casa da minha amiga hoje?

- Quero. Quem é ela?

- Tânia, a costureira.

- O filho dela tem um problema sério, não é?

- Esquizofrenia, mas ela foi ao psiquiatra em Salvador e o menino está medicado. Penso que agora ficará estável. Eu o ajudei numa das crises e vi muita ternura em seu olhar. E o mais interessante, foi que depois que o atendi, ele começou a desenvolver o dom da pintura e faz coisas lindas!

- Que acha de eu levar as Runas para lá?

- Runas?! Você joga?

- Jogo.

- E só agora vem me contar isso?

- Tudo acontece quando tem de ser.

- Vai ser bom leva-las e jogar para todos nós.

- Está bem. Vou descansar agora.

À noite, ambos vão à casa de Tânia que os recebe afetuosamente, assim como Romeu que se sente feliz e importante, embora esteja meio lento por causa dos remédios.

Depois de certo tempo de trivialidades, sentam-se à mesa e põe-se a cear.

- Muito boa esta sopa, Tânia! – Elogia o cigano.

- Obrigada, Shalom! Receita antiga de família.

- Achei seu quadro muito bonito também, Romeu.

- Obrigado, cigano! – Agradece o jovem, sonolento – Vou pintar muitos outros.

- Que você sentiu quando pintou aquele quadro?

- Que estava voando... – Responde o jovem – Que só teria paz depois que terminasse de pintá-lo... Que minha vida nada seria se eu não pintasse. Foi isso que senti.

- O médico falou que a arte será uma forma fantástica de tratamento para ele – diz a mãe orgulhosa.

- Eu tenho Esquizofrenia Paranóide. Minha mente fica constantemente ocupada. Eu preciso me manter em atividade e em minha cabeça há muita gente agitada que me persegue, que quer me matar, que troca idéias comigo, que me fala sobre o outro mundo, que me desafia e pensa que pode me controlar, porque o que eles não sabem é que eu aprendi a dominá-los. Eles só me farão mal, se eu deixar. E agora que descobri uma parte de mim, chamada Eu-Mesmo, estou mais tranquilo. Deixo Eu-Mesmo tomar conta de tudo e é ele que me ensina a pintar.

Shalom, Sofia e Tânia se impressionam com a clareza que Romeu disserta sobre o próprio problema.

- O que se passa mais em sua mente? – Questiona Shalom.

- Uma tela de cinema com vários filmes e personagens ao mesmo tempo. Em todos os filmes, eu participo lutando contra monstros e seres estranhos. Antes eu atirava as coisas neles, porque tinha medo. Hoje crio minhas armas, em minha mente, e fiquei muito mais poderoso e quando quero, desligo com meu controle e todas as imagens somem. Fica só Eu-Mesmo. Dentro de minha cabeça há infinitas informações em várias línguas, de várias épocas e lugares. Eu só preciso sintonizar minha antena e pegar o sinal certo para a ocasião.

- Como faz isso? – Pergunta Shalom interessado.

- É só eu querer que acontece.

Finalizada a refeição, Tânia, Sofia e Shalom tiram a mesa, enquanto Romeu os observa em silêncio. Os três voltam a se sentar à mesa, quando terminam a tarefa.

- O que você trouxe aí nessa sacola, cigano? – Pergunta Romeu apontando a sacola de plástico que o visitante colocou na estante, quando chegou.

- Runas.

- Que é isso? – Indaga Tânia.

- Um oráculo nórdico, através do qual os Vinkings se consultavam sobre as guerras, colheitas, gestação, saúde, viagens e outras coisas – responde Shalom. Trouxe para jogar para vocês.

- Vai ser muito bom! – Exclama Romeu – Jogue para mim!

Tânia concorda.

Shalom tira da sacola uma trouxa pequena de couro, leva-a à mesa, a abre e nela aparecem várias pedrinhas de argila com mesmo tamanho, espessura e largura, cada uma com um símbolo diferente:

- Ponha as mãos em concha, Romeu – orienta o cigano.

O jovem o faz. O homem coloca nas mãos do consulente as runas.

- Feche os olhos, Romeu, e deixe-as cair lentamente sobre o couro.

Romeu cumpre a orientação.

- Agora com o dedo indicador e com os olhos ainda fechados, escolha uma Runa.

O jovem segue as instruções e seleciona, sem saber qual, uma pedra.

- Agora abra os olhos!

Romeu abre os olhos e ri. Shalom pega a Runa, observa-a e diz:

- Esta é a Runa Branca, ou o Deus Odin.

- Que significa? – Quer saber o consulente.

- A morte de um ciclo da vida. Novos começos. Você precisa estar disponível para o que há de vir e ainda não tem forma. Tenha coragem de saltar no próprio vazio e adquira asas. Um tempo de crescimento e mistério se abre mais ainda para você, Romeu. O que estava oculto está se mostrando e outros olhos em você se abrirão.

Romeu olha-o encantado:

- Preciso dormir.

Tânia leva o filho à cama, após ele se despedir do casal e retorna:

- O que significou tudo aquilo que você disse a ele, Shalom?

- Através da pintura, seu filho está prestes a dar um grande salto que trará benefícios imensos para vocês dois. Estimule o quanto puder as potencialidades dele. Além dos remédios, a ocupação que vai curar seu menino.

- Deus te ouça! – Fala Tânia emocionada.

- Você ainda vai se orgulhar muito do seu filho, mas terão que, mais cedo ou mais tarde, ir embora.

- Para onde?!

- Para um lugar onde ele tenha mais chance de se aprimorar. Para Salvador.

- Mas não temos dinheiro. Como nos manteremos por lá?

- Vai aparecer um jeito, confie no destino que vocês haverão de escolher. Conheço um banho que fará muito bem a ele, quer experimentar?

- Quero qualquer coisa que seja boa para ele.

- Muito bem, então anote aí o que vou dizer.

Ele pega um papel e uma caneta:

- Pode falar.

- Providenciar um cacho de uvas, uma maçã, uma laranja, um balde com água, uma vela branca, uma moeda e um saco pequeno feito de algodão – ela vai escrevendo. – Com as mãos extraia o suco das frutas, coloque-o num recipiente e acenda a vela. Quando ela acabar, misture o suco com a água e banhe seu filho da cabeça aos pés. Ele deve segurar a moeda na mão direita durante o banho e depois você fará um talismã, envolvendo-a no saco pequeno. Romeu deverá levar o talismã sempre consigo. Esse banho vai trazer muita sorte para ele e deve ser tomado na Lua Cheia.

- Posso tomar também? – Pergunta Tânia.

- Não. Este é só para homens. Depois lhe ensino o para mulheres.

Os três amigos permanecem horas conversando sobre si mesmos, sobre a vida e sobre Romeu.

Por fim, despedem-se e o casal se recolhe no quarto de hotel.

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