quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sete Ciganos - 30



Desse dia em diante, Shalom passa a espionar a vida de Laudelino: a hora que sai para o trabalho com a mulher e as filhas; a hora que chega ao trabalho; a volta ao lar para o almoço; a hora em que a mulher e as filhas voltam, a pé; os encontros com a amante (!); a hora em que o filho mais velho sai para o colégio; o momento em que volta para casa e a hora em que ele, Laudelino, retorna à casa no final do dia. Bom que é um legítimo escravo da rotina.
Nesse ínterim, Tânia prepara, no primeiro dia da Lua Cheia, o banho que o cigano passara para o seu filho, leva-o ao quintal, da-lhe o banho enquanto ele segura a moeda na mão e a Lua o ilumina com sua magia feminina:
- Para que serve esse banho, mãe?
- Ele vai lhe trazer cura, sorte e sucesso, meu filho. Shalom que passou para você.
- Sabe que eu ainda serei um grande pintor?
- Sei – responde a mulher com os olhos rasos de água.
- Nós vamos embora daqui. Vamos conhecer o mundo. Vamos rodar como os ciganos.
Tânia contempla o filho nu e vê o encanto desse ser especial. Depois o envolve num roupão e faz um talismã com a moeda que ele segurava.
- Guarde isso sempre com você – entrega-lhe o objeto de poder.
- Quero usá-lo no pescoço, sem o pano.
- Vou perguntar ao cigano se isso é possível. Por enquanto, sigamos a orientação dele.
- Está bem. Te amo, minha mãe.
- Te amo, meu filho.
Os dois se abraçam.
Sete dias depois de observar a rotina do irmão de Patrício, em companhia de Sofia, o cigano vai a um local afastado da cidade com uma sacola contendo alguns itens. De frente para a amada, mãos dadas, olhos nos olhos, ele diz:
- Em nome de Bel-Karrano e Santa Sara.
- Em nome de Bel-Karrano e Santa Sara – repete a cigana.
- De todos os elementos, das forças da Luz e das Trevas.
- De todos os elementos, das forças da Luz e das Trevas.
- Realizamos essa magia em benefício do Irmão Patrício.
- Realizamos essa magia em benefício do Irmão Patrício.
O cigano sente o Poder em si mesmo e dirige-se à esposa:
- Mulher, por favor, dê-me o melão, o papel, o lápis e a pimenta que está na sacola.
Ela o faz.
Concentrando-se, ele pega uma adaga que está atada à sua perna esquerda, corta o melão na horizontal, depois escreve no papel o nome completo de Laudelino e o põe dentro da fruta. Põe em seguida a pimenta na boca e a mastiga várias vezes, cuspindo depois no fruto.
- Sofia, água! – Pede desesperado com os olhos vermelhos, por causa do ardor na boca.
Ela pega uma garrafa de água na sacola, dá-lhe, ele toma afoitamente todo o líquido até sentir-se mais aliviado:
- Magia dolorosa, companheiro!
- Também acho, cigana... Vamos.
Shalom põe o melão numa caixa e carrega-a. Ele e Sofia retornam ao veículo e dessa vez é ela quem dirige:
- Para onde vamos, Shalom?
- Casa de Patrício, começar a expulsar Laudelino de lá.
A cigana dá a partida e os dois se vão.
Shalom leva a caixa com o melão nas mãos.
Chegando à casa, ele salta e dirige-se ao portão, transportando o volume e diz:
- Levo este melão para longe do portão e assim também Laudelino vai embora desta morada.
Em seguida, o cigano retorna ao automóvel:
- Minha cigana, voltemos ao lugar onde cortei o melão.
Chegando ao local, eles saltam e vão para a sombra de uma jaqueira que tem muitas folhas secas. Ele se ajoelha e fala:
- Eu te saúdo, Espírito Secular e Sábio e te peço licença para colocar sob sua responsabilidade e poder a custódia do meu encantamento.
Nesse momento, o vento sacode os galhos e folhas da árvore e muitas folhas secas caem no espaço onde o casal se encontra. Shalom sorri interpretando isso como um sinal de aprovação e olha para a companheira que também está rindo pelo mesmo sentimento.
Ele deixa o melão, sem a caixa, na raiz do vegetal suntuoso e acende uma vela branca, de cabeça para baixo, perto do fruto:
- Assim como viro este lume de cabeça para baixo, viro a cabeça de Laudelino e o tiro daquela habitação.
Shalom bate palmas sete vezes, agradece, encerra o ritual e sai com a amada.
Na estrada, ela ainda vai guiando o carro e pergunta-lhe:
- E agora, amor?
- Vamos descansar. À noite, vou dar um susto no gajão.

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