A morte sempre ronda e tem me rondado mais de perto. Quarta-feira , 02 de março de 2011, Dão “deu o zig”. Dão é um amigo meu e preste atenção que digo “é” e não “foi” porque pra mim continua vivo. Faz falta a presença física, faz falta a fala, a ideia, o jeito, a força, o caráter, o toque, a pele, o cheiro, o olhar nada óbvio, o adorável sarcasmo, a impecável ironia, a inteligência ágil, a conversa afiada, a tatuagem das aranhas... Faz falta a comida boa, feita com arte, com ciência... Faz falta o mistério. Pois é, Dão deu o zig e deu o zig, pra quem não conhece “o que é e o que pode esta língua”, é partir.
Ainda que eu conviva com a ronda da morte desde que nasci, nunca é tão fácil perceber sua presença e permanecer tranquilo como se estivesse tomando um copo de limonada. Quando soube que meu amigo deu o zig, deu um aperto no peito, mudei meu nome para Tristeza, pensei nas irmãs, na mãe, na família, na mulher, nos amigos dele, pensei em mim e minha velha rinite vaso-motora me derrubou – tenho plena consciência que é algo meramente emocional ; sou desequilibrado mesmo, prazer em conhecer – e ganhei uma noite carregada de dor e caos.
No dia seguinte viajei para sepultar aquele corpo, aquele homem, aquele Deus. Cheguei tarde. O enterro foi às onze e aportei em terras nazarenas às duas, e pouco importam os motivos geográficos,fisiológicos e carnavalescos que obstacularam meu intento. Vale mesmo é que vi gente que também o ama, abracei essa gente, juntei minha dor com a dor deles e nos completamos. Isso se chama amor.
Hoje, domingo, 06 de março de 2011, Telma e Alvim, duas amigas chorosas, bateram em minha porta. A cadelinha Lice, que viveu com elas por 20 anos também resolveu dar o zig. Moro num solo sagrado e minhas amigas me pediram para sepultar sua fiel companheira aqui. Tomamos o desjejum, eu,minha mulher, elas. Choramos juntos, lembramos de coisas, falamos de morte e senti sua ronda leve e forte. Quando vamos a Salvador, sempre pernoitamos, eu e minha companheira, em casa dessas amigas e Lice sempre que me via, corria, saltava, cortejava-me e depois se largava no chão com a barriga pra cima para que eu pudesse lhe acarinhar. Não foi nada fácil sepultar o corpo dessa mina de alegria e hospitalidade, mas o fiz, num ato de solidariedade a minhas amigas e minha última homenagem à matéria de Lice: muni-me de cavador, enxada e pá. Cavei a cova junto com as enlutadas e nosso amigo Joad, depois recebi Lice nas mãos, seu corpo sem vida, envolto em panos, frio, gélido... Lembrei-me dela com a barriga a mim ofertada, aguardando minhas carícias. Doeu! Mandei minhas amigas saírem e ambas o fizeram. Pus minha fiel amiga no solo, retirei os panos, acariciei seu abdome hirto, um líquido familiar escorreu dos meus olhos... Com a pá cobri o que foi cavado, marquei o local indicando que ali há um corpo e me retirei.
Revi minhas amigas. Elas me agradeceram. Abraçamo-nos e elas se foram remoer saudades e alegrias que tiveram com a pequena puddle. Retomei minha rotina, recolhi o lixo, alimentei os gatos, cuidei de minha mulher, preparei o material de trabalho do eletricista e do ajudante e fui fazer o almoço. Enquanto o fazia, veio a imagem de Dão em minha mente. Dão fazendo sopa, caruru,um monte de coisas gostosas e me lembrei também, enquanto compunha meu delicioso tempero, que quando o via cozinhando e comia suas iguarias, sempre dizia: um dia vou cozinhar também. Hoje cozinho, e bem. Meu amigo foi o exemplo excelente que me motivou a desenvolver tal habilidade e eu lhe sou eternamente grato por isso.
Quem passa por nossa vida, sempre deixa uma marca. Tem gente boa como Dão, como Lice, que deixaram marcas lindas em mim e isso levarei comigo aonde eu for,mesmo quando a morte me pegar para passear. A vida é por demais efêmera. Temos tão pouco tempo... Aproveitemos este átimo para nos amarmos. Não percamos nossos preciosos instantes com mágoas, ódios e rancores. Tudo passa, tudo acaba. É inevitável... A morte continuará a rondar, como sempre. Um dia passearemos todos e enquanto esse não chega, vivamos o momento, aproveitemos o dia, fiquemos juntos.
Sinto muito sua perda.
ResponderExcluirQue bom que voce tem um amigo como esse.
Bjos
Belíssimo depoimento querido amigo, intenso, verdadeiro, íntegro, singular... tal como és.
ResponderExcluirÉ uma alegria compartilhar contigo essa caminhada na escola da vida.
Muita LUZ no seu caminho!
NINGUÉM CONSEGUIRIA EXPRESSAR MELHOR O QUE TODOS SENTIMOS, LINDAS PALAVRAS.. BJOO
ResponderExcluirAruanda, estou em prantos. Isso é tão grandioso! Obrigado, amigo, por encher minha vida de poesia, sabedoria e emoção.
ResponderExcluirMinha querida Ludimila, obrigado por partilhar comigo essa emoção. Saudades. Que bom temos a internet e nos lemos.
ResponderExcluirMeu caro Amaral, é muito bom tê-lo em minha vida e estar na sua. Luz!
Jack, Amo você.
Diana, seus comentários me tocam profundamente. Você também enche minha vida com cada retorno dado. Optcha!
Antonio, lindo texto, não consegui falar da morte com essa leveza. Amei ver vc descrevê-lo. Era assim que mtos o viam.
ResponderExcluirEnfim, o vazio ficou e só o amigo tempo pra sarar essa dor.
bjo no coração!
SOL(i)DÃO... A saudade fica, mas a luz da certeza do reencontro conforta. Abração Toni!
ResponderExcluirMeus amores,Paty e Luiz,que o tempo nos cure e a esperança do reencontro nos encha de alegria. Que o Amor de vocês os abençoe! Beijo.
ResponderExcluirLindo Texto e muito mais belo são os sentimentos. Obrigada por partilhar conosco um olhar pulsante sobre a vida. Bjo azul!
ResponderExcluirAmigo, a saudade de Lice saltou do meu peito em forma de lágrimas ao ler seu texto. Amor de Aruanda, amor de pessoa, amor.
ResponderExcluirJana e Cel,amo vocês.
ResponderExcluirOlha meu lindo mergulhei em seu texto e refleti sobre tantos que deram zig, mas que deixaram como Lice e seu amigo Dão o carinho como lembrança, um beijo nessa alma sensível.
ResponderExcluirBeijo,Aninha. Também estou te seguindo.
ResponderExcluirMeu irmão vc. é maravilhoso... Te amo!!! A sua integridade diante do Universo e suas leis é muito pura e sábia!!! Vcs. dois são umas das razões mais importantes de minha vida...
ResponderExcluirMel, vcs dois também completam o sentido de eu ainda estar aqui. Amo-os demais!
ResponderExcluirPaz e leveza é isso que sinto agora!
ResponderExcluirObrigada por nos ofertar com suas belas palavras!!!
Valeu, Jô. Beijo no coração.
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