No dia seguinte, os ciganos se encontram com os outros no cemitério onde a cigana está sendo velada. Há ciganos de todas as partes: amigos, parentes e conhecidos. Conversam com moderação e respeito. Com o passar das horas, os quatro vão se enturmando com os demais e até reencontram amigos de longas datas que nunca mais viram. Alguns ciganos de Santo Antônio, amigos de Pedro, também comparecem. Muitos ciganos de Camaçari e Feira de Santana também vão ao evento, inclusive um padre responsável pela Pastoral dos Ciganos, que é apresentado a Shalom:
- Este é o padre Jorge – diz um cigano maduro e bonito – Ele assume a nossa causa.
- Muito prazer, padre – Shalom estende-lhe a mão e ele a aperta calorosamente – Meu nome é Shalom Carín.
- Muito prazer, é judeu?
- Quem não é?
Os três riem comedidos.
- Tenho um filho que também é padre.
- Mesmo?! Como é o nome dele? – Quer saber o padre Jorge.
- Gilberto.
- Qual a paróquia?
- Brejões.
- Não o conheço, mas já ouvi falar muito bem do padre cigano. Ele tem um trabalho muito bom por lá.
Shalom se orgulha internamente pelo comentário feito acerca do filho.
- Mas é por pouco tempo.
- Por que, Shalom?
- Ele quer largar a batina e viajar pelo mundo. É antes de tudo, um cigano.
- A igreja perderá um grande sacerdote – lamenta o pároco.
- E o mundo ganhará um grande andarilho... E também sacerdote.
O sepultamento da velha ocorre dentro na normalidade.
Depois todos vão para o acampamento e lá é servido um grande banquete com todas as comidas e bebidas que a defunta gostava, em vida.
- Não tem vinho? – Shalom pergunta a Pedro.
- Nenhuma bebida alcoólica. Ela não bebia quando encarnada.
À cabeceira da grande mesa onde é servido o banquete, há uma foto da cigana Olga, muitas frutas e flores, incensos, perfumes, objetos que pertenceram a ela, um prato de caruru, com arroz, feijão, vatapá, ensopado de frango, acarajé, pipoca, frigideira de bacalhau e banana frita, e um copo com cajuína.
Sofia e Sâmia questionam à cigana Laura, uma mulher morena e forte, filha de Olga, o porquê dessa homenagem, ao que ela responde:
- Tudo isso era apreciado por minha mãe quando ela estava ainda em carne. Provavelmente ela está celebrando esse ritual conosco e aí colocamos tudo que ela sempre gostou para ela desfrutar e a memória dela ficar gravada em todos nós.
Sofia contempla a imponência da senhora na foto e se encanta com o magnetismo que há em seu olhar.
- É uma cigana admirável! – Exclama.
- Era uma grande feiticeira – diz a filha, enxugando os olhos e rindo.
- E você? – Pergunta Sâmia.
- Nunca me dediquei a isso, embora respeite e acredite. Vocês são feiticeiras também?
- Somos – responde Sâmia.
- Vocês são diferentes... Não parecem Calon nem Rom ... De onde vêm?
- De todas as partes.
Uma cigana acende um cigarro e é reprimida por uma turca:
- Apaga isso, mulher! Cigana Olga nunca fumou em vida. Se é assim, ninguém pode fumar no Pomana.
- Desculpe-me – sem jeito, a cigana apaga o cigarro. – Eu sou uma Calon, desconheço algumas tradições de vocês.
- Vocês também fazem o Pomana?
- Nós temos nossos rituais para homenagear nossos mortos, mas há diferenças entre meu bando e o seu.
As ciganas conversam sobre as diferenças culturais.
Shalom observa que no meio da grande mesa há um pão, uma vela branca acesa e uma garrafa de vinho fechada:
- Que significam aquelas coisas no centro da mesa, Pedro?
- Não sei, irmão. Talvez nosso mano Wladimir possa nos ajudar a sair da ignorância.
Wladimir, um cigano que tem traços indianos muito fortes, está com os dois e explica:
- Chamamos o pão de Pogatsha. Juntamente com a vela e o vinho, constituem uma homenagem à defunta. Quando todos os convidados se forem nós jogaremos isso no Rio Jaguaripe. As águas levarão os objetos para o mar, assim como Bel-Karrano conduzirá a alma da Cigana Olga.
- Interessante! Nós podemos assistir esse ritual – questiona Shalom.
- Infelizmente, ainda não. Alguns bandos não cultivam mais essa tradição e liberam para que ciganos de outros bandos assistam. O nosso ainda não aderiu a esses modernismos.
Ao final da tarde, os ciganos retornam à casa de Sâmia, exaustos e ao mesmo tempo, felizes por terem aprendido muitas coisas nesse dia.
Gosto da sua leveza e simplicidade, Cigano.
ResponderExcluirInteressante esta cultura do enterro. Alegre!Bjos.
ResponderExcluirTambém achei massa, Lore. Encantador! Beijos.
ResponderExcluirOlá!Adorei ler essa história! Sonhei com a Cigana Olga e estou procurando mais informações sobre ela, mas não encontro. Você saberia me informar? Desde já agradeço. Ana ( anasandalias88@gmail.com)
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