terça-feira, 19 de abril de 2011

Sete Ciganos - 59




À noite, os ciganos chegam ao Caramanchão e são saudados pelos “filhos” da casa e pela “mãe”. Exceto eles, todos estão vestidos de branco e usam contas dos seus respectivos Guias. Há uma mesa no centro da sala, com um lindo jarro de jasmim do brejo no meio. Dispostas na mesa há imagens representando os Guias como um Preto Velho, a Cabocla Jurema, Yemanjá, uma pomba branca, São Jorge, São Lázaro, velas brancas, Seiva de Alfazema, copos com água, búzios, conchas e um chapéu de boiadeiro.
Há alguns tamboretes onde estão abancados frequentadores da reunião que não são especificamente filhos da casa. Quatro cadeiras estão reservadas para os ciganos e um dos “filhos” de Mãe Lurdes os levam aos seus assentos.
Uma suave fragrância de incenso perfuma o ambiente e implanta uma energia de bons fluidos e harmonia.
A dona da casa se senta na cabeceira da mesa. Outros médiuns compõem a mesma e ela faz a Oração Inicial.
Logo depois lê “As Sete Lágrimas de um Preto Velho”.
Rezam o Pai-Nosso, a Ave-Maria e a Oração de São Francisco.
Todos começam a se incensar e a cantar:

Incensa com a erva da jurema
Incensa com arruda e guiné,
Alecrim, benjoim e alfazema
Vamos incensar, Filhos de Fé.”

Depois que todos se defumam, a moça que passava o incenso o recolhe num canto e Mãe Lurdes asperge Seiva de Alfazema nas pessoas.
Em seguida, começam a cantar saudando todos os Orixás e entidades da casa.
Pedem permissão a Exu para iniciarem os trabalhos cantando para essa poderosa força, mas não ocorre manifestação alguma.
Em seguida, cantam para Oxalá e também não se dá manifestação.
Cantam então para Ogum e com alguns instantes, alguns filhos de Ogum se manifestam e dão suas mensagens.
E assim vai acontecendo para Oxossi, Omolu, Nanã, Oxum, Yemanjá, e Iansã, cuja médium é Mãe Lurdes, que diz:
- Nada é mais forte que a vontade humana. Querer é poder e que cada um dos meus filhos tenha muita consciência do que desejam e saibam lidar com cuidado com esses desejos. Se vossos desejos estão dentro da retidão e não prejudicarão ninguém nem a vocês próprios, as Forças que regem a Natureza os abençoa e os ajuda a realizá-los. Se, porém, esses desejos são frutos das suas mesquinharias e maldades, mesmo que as forças conspirem a seu favor, mais cedo ou mais tarde lhes será cobrado. Que Zambi proteja a todos vocês e nunca se esqueçam de que cada um é senhor dos seus caminhos e das suas escolhas. Que assim seja!
- Assim seja! – todos respondem.
Mãe Lurdes sai do transe e começam a cantar para os Pretos-Velhos, que logo se manifestam; depois para os Caboclos, que dão passes magnéticos e intensos em todos e por fim, encerram os trabalhos com o Hino da Umbanda; mas é aí que os Erês, com toda sua alegria e encanto, pedem passagem e enchem o ambiente de energia infantil.
Quando enfim os trabalhos são encerrados, Mãe Lurdes manda os filhos da casa servirem um delicioso Mungunzá feito por ela, e os ciganos se refestelam.
Após a merenda, a maioria vai embora, mas Mãe Lurdes, alguns “filhos” e os ciganos sentam-se no passeio que fica na frente da casa e agraciados por uma linda noite estrelada cantam, tocam violão, conversam, bebem vinho até altas horas.
Mãe Lurdes, vez por outra, fuma seu cachimbo de fumo cheiroso e conta casos interessantes:
- Certo dia, eu intuí que uma mãe de santo daqui não estava indo muito com a minha cara porque um dos seus “filhos” prediletos, porque era rico, se indignou com as bobagens que ela estava fazendo, saiu da casa dela e veio para cá. Um dia depois, sonhei que ela entrava aqui em casa com um prato de comida podre e me oferecia para eu comer. Quando eu tirava o pano de cima da comida, subiu um fedor tão terrível, que despertei enjoada. Pois bem, nessa mesma manhã, a infeliz veio em minha casa com um prato de caranguejo e me ofereceu. Educadamente eu a recebi. Quando tirei o pano, não havia fedor, é lógico. O prato estava lindo e sedutor, mas eu sabia que tinha porcaria ali para me afetar. Aí na mesma hora, convidei a criatura para comer comigo e tomarmos uma cerveja. Ela deu mil desculpas e foi embora. Joguei a comida ruim no lixo, um cachorro da rua comeu e não deu outra, morreu. No dia seguinte fui à casa dela com o prato vazio e limpo para devolvê-lo e uma caixa. Quando ela me atendeu, meio sem arte eu lhe disse:
“Vim aqui devolver seu prato, fulana.”
“Ah! Você comeu?!” – A descarada me perguntou.
“Não.” – Aí abri a caixa e mostrei o cão morto – “Ele comeu.”
Todos riem.
- A mulher ficou branca, azul, vermelha, cinza, passou mal, chamou gente para acudí-la. Eu saí de fininho e a maluca nunca mais mexeu comigo. Dizem que ela se pela de medo de mim. Eu acho bom.
Mãe Lurdes fuma seu cachimbo e gargalha divertida.

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