quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Viúva e a Foto




Olho complacente para esta foto de anos e vejo a sua imagem esmaecendo. Na figura, estamos eu, você e mais três. De nós, só você partiu, e não sei se por desencanto da perda ou se realmente quando se morre, a energia vital das fotografias do finado também se esvai, nós outros ainda brilhamos no papel amarelado; você, não.
Saudade dos seus beijos, do seu sexo, da sua pele. Lembranças de seus deslizes e traições. Penso até que me divertia quando você se iludia, imaginando me enganar. Sempre soube de todos os seus casos. Só uma fêmea tola não sente o cheiro de outra no macho que ela devora. E que Deus o tenha, meu amado, mas também me aprazia constatar que você sequer suspeitava dos meus amantes.
Penso que o brilho que estava na figura você roubou... Até lhe acusei de furto, mas depois me recompus da vitimação e recobrei a razão – é incoerente afanarmos algo de nós mesmos. – Acendo um cigarro e sinto minha vulva seca. Odeio hormônios. Tudo murchando, morrendo em mim e eu diante dessa foto, desse espectro seu, sentindo o vácuo da cama, a lacuna da mesa, a ausência dos seus arrotos, espirros e queixas. Odeio você profundamente por ter partido antes de mim. Odeio esta sua ausência infame e insuportável. Odeio adjetivos que insistem em qualificar o meu ódio!
Mas os adjetivos são meus. Eu os ponho onde, quando e como quero. Os olhos são meus – eu os ponho onde, quando e como quero. O sentimento também é meu, mas este, ah, meu amigo, este é tinhoso. Não aceita cabresto nem rédea...
Se meus olhos não saem da foto é porque a emoção me põe onde, quando e como ela deseja.

4 comentários:

  1. Coração é quase uma arte em abstração né!! to de olho viu, Seu Aruanda! bjão!

    ResponderExcluir
  2. Fantástico! Uma descrição ímpar da emoção.

    ResponderExcluir
  3. Valeu, mano Luiz. Foi um momento único de (ins)piração. Aquele abraço.

    ResponderExcluir